A Polícia Federal (PF) de Campinas decidiu instaurar inquérito para apurar crimes de aliciamento e redução de trabalhadores a condições iguais às de escravo, praticados por um condomínio rural de Engenheiro Coelho.
Os crimes foram flagrados durante diligência conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho (MTE), com o apoio da PF, em uma colheita de laranja.
O caso ocorreu quinze dias depois de os fiscais terem encontrado, na mesma cidade, uma das situações mais constrangedoras até então vista na região, quando 12 trabalhadores de Alagoas foram resgatados da colheita em situação degradante, fato já relatado neste blog. Desta feita, as condições que foram constatadas, em um outro condomínio, eram piores e envolviam 10 paranaenses achados em condições semelhantes ao regime de escravidão.
Segundo o MPT, 14 trabalhadores foram aliciados em Uraí, pequena cidade de pouco mais de 12 mil habitantes do interior do Paraná. Assim como os alagoanos, foram enganados com falsa promessa de que ganhariam boa remuneração: no mínimo, R$ 800 mensais. O aliciador até pediu para que os paranaenses viessem apenas com a roupa de corpo, uma vez que lhe ofereciam o restante.
Ao chegarem a São Paulo, no entanto, foram surpreendidos com as condições impostas. O valor pago era de R$ 0,35 por saca carregada. O montante é considerado irrisório pelo MPT. Os empregadores cobravam tudo, de alimentação à moradia, fazendo com que os trabalhadores se tornassem devedores da empresa. Assim, impediam os empregados de irem embora.
O esquema de aliciamento foi constatado pelos depoimentos tomados pelos procuradores Dimas Moreira da Silva e Ronaldo Lira. O intermediário que os trouxe do Paraná recebeu R$ 200 por empregado. Quatro conseguiram escapar e voltar para o Estado de origem, enquanto os demais passaram a viver e a trabalhar em condições subumanas. Os empregadores ainda retiveram os documentos dos que conseguiram fugir, o que pode trazer-lhe mais problemas na Justiça (aumento de pena).
A moradia dos migrantes, localizada em Artur Nogueira, cidade vizinha, ficava nos fundos de um bar e tinha capacidade para uma família pequena, com dois quartos, cozinha e banheiro. Os dez trabalhadores dividiam um espaço de 30 m². A maioria dormia no chão, em ambiente com higiene precária e sem nenhuma ventilação ou estrutura para protegê-los, por exemplo, da chuva.
A compra de comida e mantimentos era feita em um esquema de marcação numa lista de um supermercado indicado pelos empregadores, cujo dono é conhecido do condomínio. As dívidas dos migrantes iam além do salário recebido.
Na lavoura, mais irregularidades: falta de equipamentos de segurança e irregularidades em relação ao afastamento de trabalhadores por motivo de saúde. O condomínio aceitava atestados médicos, mas deixava de pagar o salário do dia, medida que contraria as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com a constatação dos possíveis crimes, quatro funcionários e um encarregado da frente de trabalho prestaram depoimento na sede da PF de Campinas. Os donos do condomínio serão ouvidos nos próximos dias. A pena prevista para o aliciamento de trabalhadores é de 1 a 3 anos de detenção e multa; para o crime de redução a condição análoga à de escravo, é reclusão de 2 a 8 anos de prisão e multa.
Assim como feito no caso dos alagoanos, o condomínio rural firmou um acordo com o MPT e o MTE e fez o pagamento das verbas rescisórias dos dez migrantes - proporcionalmente ao mês trabalhado.
Devido à gravidade da situação, a indenização por danos morais para cada trabalhador foi de R$ 3 mil, bem superior ao recebido pelos nordestinos (R$ 1 mil).
Ontem, os trabalhadores foram colocados numa van e enviados de volta para o Paraná. Os procuradores continuam investigando os responsáveis pelo aliciamento.
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