quinta-feira, 11 de junho de 2009
Justiça condena Varga e TRW a pagar R$ 1 milhão em indenização à ex-franqueadas
A TRW Automotive e a Varga Serviços Automotivos foram condenadas a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais a cada uma das oito empresas que firmaram contratos de franquia de prestação de serviços de manutenção e reparação de veículos com a antiga Varga S.A..
A conta, somados juros e correção monetária, ultrapassa o montante de R$ 1 milhão.
A história é longa, e a sentença dada em 25 de março pela juíza Cibele Frigi Rodrigues Rizzi, da 1ª Vara Cível de Limeira, é decisão em primeira instância de um processo que se arrastava desde setembro de 2003, numa verdadeira guerra jurídica entre antigas parceiras.
Passo a explicar a história.
Acusação
As empresas OS Maximiliano Tozzini, Maxifreios Ltda Peças e Serviços, Rede Serv Ltda, Antônio Herculano Macuco Giordano, Brake Stop Peças e Serviços Ltda, Carlos Alberto de Souza, Miscar Serviços Automotivos Ltda e Comércio e Serviços Miscar alegaram à Justiça que denunciaram, por justa causa, os contratos e que a rescisão foi aceita pelas rés.
Na data anterior ao do recebimento da rescisão, porém, a TRW veiculou anúncio na Folha de S.Paulo informando que as prestadoras de serviço estavam sendo descredenciadas da rede. As empresas entenderam que a publicidade foi depreciativa para a imagem delas.
A mesma informação foi repassada à seguradora Porto Seguro Cia de Seguros Gerais por meio de correspondência, atitude considerada pelas empresas como desleal. Segundo as prestadoras de serviços, a ruptura dos contratos ocorreu por culpa da Freios Varga e da TRW, uma vez que o relacionamento contratual passou a ser diferente da forma contratada.
Denunciaram à Justiça que tanto a Varga quanto a TRW, apesar de cobrarem taxa contínua de franquia e taxa de propaganda, não prestavam serviços de suporte e assessoria, não mantinham canal de comunicação disponível, política comercial comum, padronização visual das unidades da rede e apresentavam política de credenciamento de fornecedores com graves defeitos.
Sustentaram, na longa acusação, que não houve transmissão de “know-how” e o estabelecimento de uma unidade piloto para capacitação dos franqueados, bem como sistema de abastecimento de produtos, o que ocasionou atrasos e cancelamentos feitos pelas unidades da rede.
Afirmaram ainda a existência de comissões embutidas nos preços dos produtos adquiridos, o que desrespeita o princípio da boa-fé. As empresas acusam também a Varga e a TRW de abusos, como a destituição do Conselho de Franqueados, descaracterização das unidades sem prévio aviso ou agendamento, e a não devolução no prazo ajustado dos livros fiscais retirados em algumas de suas unidades.
Para finalizar, informaram que ambas não entregaram a circular da oferta de franquia e deixaram de fornecer relatório anual nos termos dos contratos.
No pedido à Justiça, as prestadoras solicitaram a restituição das quantias desembolsadas a título de taxa inicial e contínua de franquia; a prestação de contas da destinação dada às verbas arrecadadas pelo "fundo de propaganda", com a devolução de eventuais valores pagos que não foram investidos na divulgação da rede; e pagamento de indenização por danos morais.
TRW se isenta
A TRW contestou, alegando que não podia figurar como ré por não ter participado da transação comercial que originou os contratos, que teria ocorrido antes de adquirir a Varga. Defendeu ainda a inexistência de danos morais, por não haver demonstração de sua ocorrência.
Varga se defende
A Varga Serviços Automotivos sustentou que o vínculo com Carlos Alberto de Souza e Antônio Herculano Macuco Giordano é bem anterior ao próprio sistema de franquia, sendo que as normais que o regeriam foram elaborados quase que integralmente por Carlos Alberto, que, inclusive, foi isentado do pagamento da taxa de franquia inicial.
Em juízo, a Varga informou que sempre dispensou tratamento igualitário às prestadoras de serviço e que entregou todas as circulares de oferta de franquia, de modo que não se justificaria a restituição de valores pagos a títulos de franquia – argumentou ainda que a circular de oferta não é requisito essencial de validade do contrato após a assinatura e passados vários anos de vigência.
A Varga afirmou que as prestadoras receberam manuais técnicos de treinamento e possuíam livre acesso a todos os dados e informações suas, "jamais demonstrando qualquer descontentamento com os contratos".
Alegou também que não houve danos morais.
1) a matéria publicada na Folha se revestiu de caráter informativo aos consumidores e foi necessária para a atualização das informações relativas à rede de franquia;
2) não houve reflexo patrimonial prejudicial às empresas; e
3) as prestadoras já haviam contratado outro franqueador, mesmo antes da rescisão dos contratos.
A Varga defendeu ainda a impropriedade do pedido de prestação de contas, por não haver prova de que as antigas parceiras contribuíram para o fundo de propaganda e que as contas sempre foram prestadas, e que havia uma cláusula contratual que lhe conferia a administração exclusiva do fundo e das empresas.
Ao final, alegou que foram as prestadoras as responsáveis pela rescisão do contrato, em razão de “inúmeros atos que praticaram de forma contrária aos contratos.
Contra-ataque da Varga
Na sequência da ação, a Varga apresentou reconvenção – mecanismo pelo qual o réu formula uma pretensão contra o autor da ação.
Neste pedido, a Varga atacou as antigas parceiras. Alegou que elas atuaram em desacordo com as cláusulas contratuais, vendendo produtos de um concorrente direto e deixando de vender produtos da franquia "Varga", gerando prejuízos à rede.
Informou à Justiça que foi realizada perícia contábil e fiscal nos livros fiscais e demais registros de entrada e saída de mercadorias, mantidos pelas prestadoras de serviço, onde teria ficado constatado a existência de royalties pagos a menor.
Relatou que, durante o período de contratação, houve muitas reclamações de consumidores em relação aos serviços prestados nas unidades das antiga parceiras, comprometendo a imagem e afetando a credibilidade da rede.
Desta foram, pediu ela, a Varga, a condenação das prestadoras de serviço ao pagamento de indenização pelos prejuízos causados com a venda de produtos de concorrentes, bem como no pagamento das diferenças de royalties, além de indenização por danos morais em virtude dos prejuízos causados à marca por "péssima qualidade de atendimento e serviços prestados aos consumidores".
Prestadoras se defendem
As antigas parceiras da Varga rebateram o pedido de reconvenção, alegando que existiam falhas na solicitação e que a empresa deixou de apresentar elementos convincentes. Alegaram que não existia obrigação contratual de serem comprados produtos de fornecedores ou marca determinados.
Explicaram que a base de cálculo para recolhimento de royalties é o faturamento bruto das unidades franqueadas, e não a venda de ou outro produto.
Refutaram o que Varga disse, alegando que esta alterou a verdade dos fatos, questionando cláusulas contratuais e políticas comerciais que foram instituídas por ela mesma, usando de má-fé, "tanto que as provas produzidas nas ações ajuizadas pela ré-reconvinte [a TRW] foram contrárias às alegações que as fundamentaram".
As prestadoras afirmaram em juízo que sempre trabalharam com profissionalismo e seriedade e que não existem reclamações contra elas nos últimos cinco anos.
Fundamentação judicial
Em sua fundamentação, a juíza Cibele Rizzi considerou que a TRW não pôde deixar de figurar como ré, uma vez que, tendo incorporado a Varga S.A., tornou-se sucessora desta em todos os seus direitos e obrigações, sendo uma das titulares dos interesses em conflitos.
"Ademais, é cediço que os contratos de franquia foram mantidos após a incorporação, passando a empresa TRW Automotive South América S.A. a manter relação negocial direta com os franqueados, na qualidade de franqueadora e de fornecedora de produtos". Ela salientou, ainda, que a incorporação deu-se antes do ajuizamento da ação.
A juíza argumenta que o franqueador é o detentor da marca, do produto de comércio, e o franqueado é aquele que adquire a franquia e passa a desenvolver o negócio em uma certa região. Ela entendeu que as prestadoras não têm razão em alegar que a Varga não lhes teria fornecido as circulares de oferta de franquia.
Baseando-se na Lei 8.955/94, ela diz que se a franqueadora (Varga) não entregou os documentos no prazo legal, poderiam as empresas requerer a anulabilidade do contrato e exigir a devolução de todas as quantias pagas a título de taxa de filiação e royalties.
Contudo, as prestadoras de serviço não tomaram tal atitude, o que permitiu a prorrogação dos contratos por anos. "Não é aceitável que, somente agora, anos após a celebração dos contratos, os franqueados venham pretender denunciá-los ao argumento de que não foram entregues as circulares mencionadas", diz a juíza.
A ausência de manifestação à época permite deduzir que não houve prejuízo às prestadoras, de acordo com a sentença. Para a juíza, não há o que se falar em restituição de valores pagos a título inicial de franquia e de taxa contínua de franquia.
Também não prospera, para ela, a alegação de descumprimento contratual baseado na ausência de treinamentos e suporte técnico – não existem as obrigações nos contratos, que especificam que a franqueadora poderá realizar treinamentos adicionais – são, portanto, facultativos, e não obrigatórios.
Desta forma, a juíza também entendeu que todas as alegações de falta de entrega de circular, instruções, treinamentos, manual e até mesmo transferência de know-how não foram obstáculos às empresas.
Cibele rejeitou a alegação de que a falta de entrega de mercadorias causava prejuízos, embora tenha ficado evidenciado que, na maioria das vezes, os pedidos de reposição dos produtos não eram atendidos na integralidade.
Para resumir e poupar os leitores de detalhes processuais (que são muitos), a juíza avaliou que não ficou comprovado o prejuízo com o alegado pelos autores. "Não é crível que os autores tenham mantido atividade comercial com estoque deficitário pelos vários anos de execução dos contratos, sofrendo prejuízos constantes, considerando que tinham a faculdade de buscar peças de outros fornecedores".
O pedido de recebimento de royalties também não foi acolhido, porque não houve provas de prejuízo. Para Cibele, não ficou evidente o descumprimento contratual de todas as partes. Por isso, as teses da Varga no pedido de reconvenção não foram acolhidas.
Porém, a juíza avaliou que a Varga e a TRW agiram mal quando veicularam publicações de descredenciamento das unidades franqueadas.
A notícia, segundo ela, já é apta a gerar desconfiança acerca da reputação das empresas, porem, para agravar, os anúncios traziam a explicação do ato, de que "as mesmas [as prestadoras de serviço] não vêm atendendo quesitos técnicos pactuados em nosso contrato e, portanto, não poderemos responsabilizar pelos serviços executados pelas mesmas".
Como a informação não ficou comprovada nos autos, configurou-se o ato lesivo, dano moral, às empresas. Os R$ 200 mil a cada empresa terão de ser pagos com juros de 1% ao mês e correção monetária.
TRW e Varga recorreram da decisão. E eu termino por aqui um dos posts mais longo já escrito no blog.
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