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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Íntegra da sentença condenatória pelo superfaturamento de alimentos

Leia abaixo, na íntegra, a sentença da Justiça que condenou o prefeito Sílvio Félix ao ressarcimento do dinheiro pago a mais na compra de alimentos para a merenda com preços acima dos praticados no mercado:

"VISTOS. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou ação civil pública em face de SILVIO FÉLIX DA SILVA E OUTRO, também qualificados, aduzindo que fora apurado em inquérito civil que no início de maio de 2005, a municipalidade adquiriu farinha de mandioca torrada em valor superior ao praticado no mercado, gerando prejuízo de R$162,80. O mesmo ocorreu com a rosquinha de côco, com prejuízo de R$238,20. E assim se repetiu entre outros gêneros, por exemplo com o achocolatado o prejuízo fora de R$412,80.

No entanto, como mais grave, houve pagamento de produtos em desacordo com os valores mencionados no pregão conforme se constata às fls.05 da inicial. Não é só, na compra de farinha junto a Comercial Afonso, houve um aumento de 16% sobre a compra anterior com montante exacerbado.

Devidamente notificados, as defesas preliminares foram rechaçadas pelo digno juízo. Feitas as citações, o requerido Silvio na qualidade de prefeito municipal se defende no sentido de que a modalidade pregão que adotou foi muito mais vantajosa e acarretou uma economia de mais de dois milhões se comparado à gestão passada.

Da preliminar de ausência de condições da ação. No mérito, que como os havia contratos firmados na gestão passada, o requerido em nada contribuiu para a fixação dos preços. Fora adotada a modalidade pregão em possibilidade da lei 10520/02 com redução de até 2% sobre os preços praticados. No entanto, não poderia fazer nos contratos em andamento, sob pena de responsabilização do ente público por perdas e danos.

O município, da mesma forma, ofertou resposta, postulando a denunciação da lide do ex-prefeito da gestão anterior. No mérito, que o autor não levou em conta a realidade do mercado e de preço existente entre dois momentos, licitações anteriores com o pregão de setembro de 2005. Por isto, a época, quantidade, forma de pagamento e local da negociação, sendo que, num universo de produtos, não se pode considerar isoladamente. Não há que se falar em ato de improbidade administrativa.

É o relatório. Decido.

Julgo antecipadamente pela desnecessidade de outras provas em se tratando de questão de eminente direito. Como as preliminares levantadas no curso da ação foram denegadas referentes a carência de ação decorrente de inadequação da via eleita por ocasião do agravo de instrumento interposto na 6ª Câmara de Direito Publico de relatoria do eminente desembargador José Habice, dispensável qualquer outra manifestação a respeito diante da preclusão.

A presente ação teve fundamento em representação dirigida ao Ministério Público local de integrantes do Partido dos Trabalhadores contra aquisições autorizadas pela requerido Silvio, ora prefeito municipal na gestão 2005-2008 mediante preços superfaturados e outras graves acusações.

Na esteira dos inúmeros documentos juntados no inquérito civil, analisando nota a nota se depreende que no período em epígrafe, a Alimentar realmente vendeu farinha de mandioca destinada a merenda escolar ao valor unitário de R$1,98. Para a Comercial Creme Marfin Ltda o preço unitário de R$2,63 e R$2,53. Na Crialimentos para achocolatado por R$3,99 o kg.

Na Cathita, há realmente aquisição de mais de seis mil e quatrocentos frascos de óleo mediante preço unitário de R$2.40, margarina sem sal em unitário de R$2,50 e amido de milho à unidade de R$1,73. Na Progresso Alimentos, o preço da preparação de bebida láctea saiu por unitário de R$4,45 o quilo. De atenção especial o ofício encampado pela Comercial João Afonso no sentido de que forneceu farinha de trigo especial ao preço unitário do pacote em R$0.98.

A primeira entrega fora mencionada como no primeiro trimestre, contudo no final de fevereiro e início e março de 2005, houve o disparate do aumento para R$1,14. No arroz agulhinha e trigo pra kibe os valores unitários, respectivamente de R$1,60 e R$2,38 o quilo da cada. Por derradeiro, com a Irmãos Franco, as notas fiscais difíceis de encontrar se encontram constando o quilo de macarrão vendido a R$2,47, farinha de trigo a R$1,40, arroz agulhinha a R$1,35, amido a R$4,26 e açúcar cristal, por fim, a R$1,03.

Em segunda preliminar, entendo incabível a denunciação da lide, tendo em vista que os fatos apontados na inicial não indicam nenhuma hipótese do art.70 do CPC. Seria, no caso, eventual responsabilidade do antigo gestor público pela feitura dos contratos, mas não nos pagamentos que se traduzem no início de 2005 em que o requerido Silvio passou a administrar este município.

Partindo pela análise de ponto a ponto da inicial, entendo que mereça procedência o primeiro que passarei a analisar. Contudo, a pergunta que não quer calar em evidente prejuízo ao erário, foi, por exemplo, se o pregão que é modalidade de licitação determinou a compra dos produtos alimentícios por determinado valor, ainda considerando passado todo o procedimento e possibilidade do preço mais baixo ofertado ser discutido (art.4º, VIII), qual o motivo que a municipalidade pagou quantia superior?

Anote-se que o pregão para aquisição de bens comuns se pauta pelo menor preço, com prazo mais reduzido de entrega e no mínimo de especificações técnicas com vistas à simplicidade. Ou seja adjudicado o produto ao vencedor com toda a legislação apoiando para que fosse feito pelo menor preço apurado, agiu, ao menos por culpa o administrador público em pagar por valor maior.

Ou será que o pacta sunt servanda que é princípio comezinho do direito das obrigações que tanto se aplica nos contratos privados, não teria razão de ser nos públicos?

A razão de aplicação é muito mais forte quanto cuida-se de dinheiro público e é inadmissível que se compre produtos de uso comum, alimentícios, destinados à merenda escolar por uma valor que fora considerado o mais barato do mercado, porém, quando da entrega, se pague por unitário de maior valor.

Nem assim se fosse por outra modalidade, tendo em vista que observei nos inúmeros documentos juntados nos treze volumes desta ação pública que muitos contratos foram efetuados na gestão anterior por outras modalidades de licitação.

O que é inadmissível é que a licitação fora realizada pelo menor preço, porém, quando do pagamento, ocorreu um sobre-faturamento sem razão alguma para não falar em super e correr o perigo de cometer injustiça, haja vista que não apurei conduta dolosa de nenhum dos réus. Mas prejuízo ao erário, ainda que de forma culposa, não há dúvida alguma.

Não se poderia pagar por valor não contratado, cujo critério licitatório foi o menor preço. Como, por exemplo, farinha de mandioca adquirida na unidade por R$1,10 e depois paga a R$1,98. Este fora apenas um dos casos enumerados na inicial e sobejamente comprovados nos autos diante do cotejo das notas fiscais emitidas para pagamento da municipalidade e os pregões com valores.

Aliás, não negam os requeridos que os pagamentos foram nestes valores e os unitários abaixo disto. Agora o único argumento que justificaria uma majoração dos valores pagos seria teoria da imprevisão e um aumento absurdo no preço dos produtos de modo a impossibilitar ou onerar o cumprimento por parte dos fornecedores. Mas isto sequer fora cogitado nos autos!

Além disto, desconheço neste período de pouco mais de quatro anos a que se referem os pagamentos, alta absurda do preço dos gêneros alimentícios, notadamente enquanto falamos de economia estável diante do Plano Real em que a reposição inflacionária, bastando cogitar do aumento salarial dos magistrados em menos de 10% conforme votação veiculada cansativamente na imprensa há poucos dias.

Nesta lição, ainda que não alegado, baseando todos na teoria da imprevisão, haveria vários desdobramentos pelo caso fortuito ou força maior, teoria do príncipe e teoria da Administração. Desta forma, para o particular, a Administração não poderia ter pagado nada em decorrência do aumento do preço, o que lhe caberia promover até uma solução intermediária com a revisão contratual em se tratando de fatores econômicos.

De outro, o fato do príncipe em que a Administração poderia deixar de cumprir o contrato diante de caso fortuito ou força maior que a onerou, causando lesão aos cofres, ocasião em que entendo não ser cabível indenização pelo fato não ter sido imputável ao município. E o pior ocorreu com a empresa “Comercial João Afonso”, quando a municipalidade-ré pagou por R$0.98 centavos no começo de fevereiro de 2005 e somente dez dias depois houve um aumento para R$1,14, gerando um aumento por quilo de dezesseis centavos. E olha que a quantidade passou de vinte e cinco toneladas, num valor a maior em R$28500,00. Será que houve tanta desatenção assim ou mesmo má-fé nesta aquisição, porquanto fica difícil de acreditar numa alta ocorrida em apenas dez dias e o que é pior, em desrespeito ao valor adjudicado e formalizado em contrato de R$0.98.

Deste modo, sem nenhum argumento plausível como quis fazer crer o município ré de que muitos paradigmas deveriam ser considerados até com a encomenda de estudo pela prestigiosa FGV, haja vista que não falamos de compra a pagamento a prazo, mas sim de licitação adjudicada com preço certo em que ninguém, repita-se, ninguém se insurgiu quando do cumprimento, quer os fornecedores, quer a municipalidade.

Por isto, a questão era simples, pagar pelo preço constantes do pregão e licitações sob outras modalidades que se tornaram contratos e nada mais! Pagando com outros valores não contratados, houve prejuízo ao Erário que deve ser ressarcido pelo requerido prefeito que, à evidência, é o gestor da coisa pública e pagou nos primeiros meses de 2005.

Por isto, vislumbrando os abusos não deveria ter pago e usado até da teoria do príncipe que sequer fora cogitada como forma jurídica de se livrar de alguma pressão dos fornecedores. Aliás, repito não aventado nos autos em nenhum momento para aumento dos preços.

Diante disto, entendo que o enquadramento seja no art.10, I da Lei de Improbidade Administrativa: Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; Como o valor não foi vultoso e diante de, ao menos negligência no trato com o dinheiro público, entendo que a reparação integral mais multa civil no mesmo valor seja adequado à espécie.

Ante o exposto e de tudo o que mais dos autos consta, julgo parcialmente procedente para condenar o requerido prefeito a ressarcir integralmente o dano ao erário com juros e correção de cada desembolso a ser apurado em liquidação e multa civil no mesmo valor a ser destinada ao Fundo dos Interesses Difusos e Coletivos. Pela sucumbência, condeno o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios em 20% do total da condenação para o mesmo Fundo. p.r.i. Limeira, 01/10/09. ADILSON ARAKI RIBEIRO JUIZ DE DIREITO"
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