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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A mídia dos anos 90 (será que mudou?)

Segue abaixo um trecho do livro "O Jornalismo nos Anos 90", de Luis Nassif, livro de cabeceira. O texto extraído retrata, segundo o autor, o que a mídia foi e fazia com frequência na década passada. Interessante é que percebe-se que a atitude ainda se mantém vivíssima em parcela expressiva da mídia atual. Deixo como reflexão.

"Nos anos 90 aceitou-se o resultado de qualquer inquérito como verdade absoluta.

Todo processo investigativo passa pelos seguintes passos. Se alguém suspeita da atividade irregular em determinada área, faz a denúncia, que pode ser encaminhada à polícia ou ao Ministério Público.

Em geral, o inquérito deveria ser uma peça neutra, ouvindo todas as partes. Na prática, não costuma ser.

Por sua própria formação, o acusador comporta-se, muitas vezes, como o repórter que dispõe de uma boa denúncia: qualquer informação que possa minimizar a denúncia é deixada de lado, para não atrapalhar o furo.

Depois do inquérito, abre-se um processo. Cabe ao Ministério Público essa incumbência.

É função do promotor avaliar a consistência do inquérito e oferecer ou não a acusação.

Por sua própria formação, e pela pressão da opinião pública para que se encontrem culpados, muitas vezes o promotor deixa a avaliação da consistência do inquérito para o juiz.

Poucos têm a grandeza do promotor que recusou o inquérito sobre o bar Bodega e pediu sua anulação e a libertação dos acusados, alegando inconsistência e depoimentos obtidos sob tortura.

Muitas vezes são abertos processos que, mais à frente, se revelam inconsistentes e são arquivados. O promotor pode apelar e a sentença será avaliada em outras instâncias.

Se o juiz aceita a ação, dá-se, então, total possibilidade de defesa aos acusados. Estabelece-se o contraditório que permitirá, mais à frente, definir culpas. Só aí se terá a notícia completa.

O que ocorreu com notável repetição na mídia dos anos 90 foi atropelar esse processo.

Dava-se publicidade a cada processo como se fosse a sentença definitiva, antes mesmo que a outra parte fosse ouvida. Abolia-se o contraditório, o procurador assumia o papel do juiz, e as acusações não precisavam passar pelo teste da consistência: depois que saem publicadas, o acusado está liminarmente condenado, mesmo que a acusação posteriormente se mostre infundada.

No âmbito da Receita Federal, por exemplo, era comum (hoje em dia menos) a divulgação de nomes de empresas que recorriam de autuações, como se fossem sonegadoras – independentemente de terem ou não argumentos legais para questionarem a autuação.

De repente, com o espaço aberto por um repórter, um assessor de terceiro escalão, ou um procurador açambarcava a função do juiz, dando sentença definitiva de vida ou de morte sobre a reputação do investigado"
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