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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Para juiz, Prefeitura fez "cortesia com chapéu alheio" ao dar passagem grátis a quem não devia

Segue abaixo a íntegra da sentença que condenou a Prefeitura de Limeira a devolver R$ 3 milhões à Viação Limeirense por considerar beneficiária de transporte público gratuito pessoa acima de 60 anos, quando o Estatuto do Idoso, em seu artigo 39, estipula idade de 65 anos, no mínimo.

Num trecho, o juiz Adilson Araki Ribeiro diz que concorda com a tese da viação: "absurdo proporcionado pelo Poder Público em proporcionar melhorias à população invadindo as posses do particular numa verdadeira 'cortesia com o chapeu alheio'".

"VIAÇÃO LIMEIRENSE LTDA, qualificada nos autos, moveu ação ordinária em face de MUNICÍPIO DE LIMEIRA, aduzindo que adveio lei municipal sob n.4080/06 no sentido de garantir às pessoas maiores de 60 anos a isenção da tarifa de transporte municipal. Ocorre que promoveu o controle das pessoas transportadas mediante cadastro prévio, fatura e nota fiscal, importando na necessidade de ser ressarcida pelos cofres públicos. Ré citada, ofertou tempestiva contestação, levantando preliminar de prescrição. No mérito, que os reajustes anuais fizeram frente aos prejuízos mencionados em arcar com a isenção. Não há prova de quebra do equilíbrio econômico-financeiro. É o relatório. Decido. Julgo antecipadamente pela desnecessidade de provas em se tratando de questão de direito. Em primeiro lugar, não há que se falar em prescrição, posto que procura pelo recebimento de serviços prestados a partir do advento da lei municipal 4080/06. Portanto, não decorreram cinco anos do momento em que passou a conceder a isenção e a propositura da presente ação. A este respeito, não se aplica o prazo trienal, mas qüinqüenal em se tratando da requerida ser ente de direito público. A questão trazida nos autos é bastante interessante na medida em que a requerente é concessionária de serviço público na exploração do transporte municipal desta cidade. A este respeito, analisando o contrato de concessão firmado com a autora, observa-se que a remuneração que tem é proveniente da tarifa cobrada do usuário fixada mediante decreto pelo poder público municipal. A este respeito, em 22/12/06, adveio a lei municipal 4080 que estendeu a isenção de tarifas no transporte municipal às pessoas com idade compreendida entre sessenta e sessenta e cinco anos, haja vista que os mais velhos teriam o direito garantido no Estatuto do Idoso. Diante disto, a municipalidade acabou estendendo a gratuidade assegurada pelo Estatuto do Idoso às pessoas limítrofes, ou seja, com idade compreendida entre 60 a 65 anos. A ação é de procedência. De fato, tendo em vista que o advento da lei municipal promoveu um encarecimento dos serviços prestados pela autora na medida em que a obrigou a conceder isenção a uma gama de usuários compreendidos entre sessenta e sessenta e cinco anos de idade. Diga-se de passagem, diminuindo e estabelecendo um plus do determinado em lei federal pelo Estatuto do Idoso que possibilita o benefício aos maiores de 65 anos. Com isto, à evidência, mediante ato unilateral proporcionada pelo município, a requerida acabou tendo que suportar o transporte de usuários sem a contraprestação, notadamente enquanto explora o ramo sem remuneração direta municipal. OU seja, a autora sobrevive e tem o ramo como negócio economicamente viável em decorrência do que percebe pela tarifa pública recolhida pelos usuários. A requerida, então, se defende no sentido de que deferiu reajustamento tarifário para cobrir a perda na receita por esta isenção. No entanto, consoante se observa pelos documentos juntados com a contestação, o reajuste deferido se baseou tão somente na inflação no período de doze meses e não levou em consideração o advento da malsinada lei (fls.224/228, 271/273 e 304/305). Tanto é que analisando os inúmeros decretos autorizadores do aumento posteriores à lei, não se observa referencia que iria custear as isenções concedidas pela municipalidade. Por isto, que a questão amolda-se na figura doutrinária do fato do príncipe em decorrência da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato por ato da municipalidade, o que lhe possibilita revisão. Nisto advém a lição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro: O poder de alteração unilateral do contrato não é ilimitado. Adverte Edmir Netto de Araújo (1987:130-131) que 'esse poder da Administração não tem a extensão que, à primeira vista, pode apresentar, pois ele é delimitado por dois princípios básicos que não pode o Poder Público desconhecer ou infringir, quando for exercitar a faculdade de alterar: a variação do interesse público e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.'... Neste caso, a responsabilidade da Administração é extra-contratual e "o dever de recompor o equilíbrio econômico do contrato repousa na mesma idéia de equidade que serve de fundamento à teoria da responsabilidade objetiva do Estado." " (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11ª edição. São Paulo: Atlas. 1999) Com isto, resta o dever de arcar com os gastos promovidos pela concessionária-autora para cumprimento da lei municipal, sob pena de flagrante empobrecimento sem causa pelo fenômeno do fato do príncipe. Não tolerando a tese esposada na inicial, o juízo se coaduna com o absurdo proporcionado pelo Poder Público em proporcionar melhorias à população invadindo as posses do particular numa verdadeira “cortesia com o chapeu alheio”. Por isto, necessária a condenação pelos custos suportados com o transporte em decorrência da isenção que se encontram bem demonstrados pelas notas fiscais-fatura que não foram contestadas especificamente nos autos. Mediante fato do príncipe a modificar sobremaneira a remuneração recebida pela autora como única fonte de renda do contrato de concessão do transporte público local, a procedência da ação é de rigor. Bem que se diga que a lei municipal 4080 estipulou que os custos da execução da lei seriam arcados pela municipalidade mediante dotação orçamentária prévia. Ou seja, então, não haveria como a requerida resistir se a própria lei que deferiu a isenção estipulou que os custos decorrentes seriam arcados pela mesma. A ementa colacionada estipula que a isenção deve ser programada de forma a não quebrar o equilíbrio econômico-financeiro. Sem a prova de como a autora iria ressarcir por permitir isenção aos maiores de sessenta anos, à evidência, não pode suportar com o encargo representado em melhoria à população por imposição do Poder Público. TJMG: 103130516879260011 MG 1.0313.05.168792-6/001(1) Resumo: Transporte Público - Passe Livre- Gratuidade Para Acompanhantes de Idosos - Equilíbrio Econômico-financeiro do Contrato de Concessão. Relator(a): WANDER MAROTTA Julgamento: 22/11/2005 Publicação: 16/12/2005 TRANSPORTE PÚBLICO - PASSE LIVRE- GRATUIDADE PARA ACOMPANHANTES DE IDOSOS - EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DE CONCESSÃO. O amparo ao idoso é dever do Estado, que deve garantir-lhe a gratuidade dos transportes urbanos e coletivos. Se não tem ele condições de locomover-se sozinho, parece lógico impor á Administração que assegure, também ao seu acompanhante, a gratuidade prevista na lei - (Estatuto do Idoso). Essa gratuidade, porém, deverá, obviamente, ser suportada pela concessionária do serviço público, tornando-se imprescindível a prova de que esteja sendo mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Se o contrato de concessão não prevê como será feito o ressarcimento das despesas para cumprimento da lei que assegura gratuidade aos acompanhantes -- e não havendo ainda a demonstração de que a permissão da Lei para que as concessionárias veiculem propaganda em seus carros tenha, por si só, o efeito de manter ou restabelecer a referida equação do contrato, não pode ser o ônus imposto à concessionária. Ante o exposto e de tudo o que mais dos autos consta, julgo procedente para que a ré arque com os valores apontados nas notas fiscais fatura com juros da citação e correção da propositura. Pela sucumbência, condeno a requerida ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da condenação diante da equidade. Sentença sujeita a reexame. p.r.i. Limeira, 24/06/10. ADILSON ARAKI RIBEIRO JUIZ DE DIREITO"

Um comentário:

  1. Pelo que entendendo, o Estatuto do Idoso é cheio de brechas. Pois se a Lei é federal, por que o cumprimento dessa lei difere de município para município, com referência por exemplo ao passe livre para idoso. (lei com brecha?)
    Será que não está na hora dos legisladores e o sansionador sairem de cima do muro e passar uma régua nesa situação. Chega de humilhação. Chega de aparências falsas, os eleitores são iguais no voto, não se esqueçam que tem também eleitor pobre mas qualificado.
    Ivo José Lourenço.

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