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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Dobramos a meta de valorizar o nada

O escritor italiano Umberto Eco legou uma frase destinada a provocar reflexões hoje e nos próximos anos. “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”.

Tudo bem, não é necessário – e seria injusto – demonizar as novas plataformas digitais de comunicação, que trazem mais aspectos positivos que negativos, mas é preciso, com urgência, mais sensatez no imenso mundo virtual.

Na semana passada, um jovem limeirense gravou um áudio simulando um toque de recolher para a última quarta-feira, acompanhado de supostas ameaças a quem estivesse na rua em determinada hora. A informação se espalhou não só em Limeira, mas em toda região de Campinas. Alterou a rotina de comércios, faculdades e outras instituições. Em Limeira, mesmo com autoridades policiais sustentando não haver indício algum de veracidade na tal ameaça, houve um esvaziamento nas ruas – e até uma médica deixou de comparecer ao seu plantão. No dia seguinte, a Polícia Civil limeirense, em trabalho exemplar, localizou e levou à delegacia o irresponsável autor da mensagem.

Na impossibilidade de impor filtros à internet, a tarefa cabe a cada um. Mas é preciso ir além.

É necessário pensarmos quanto damos de atenção e relevância ao nada. No aprendizado jornalístico, o filtro é um procedimento natural de seleção daquilo que tem mais potencial de interesse ao receptor da mensagem (urgência, abrangência, entre outras características), quando finaliza o processo de comunicação.

Sem o intermédio do filtro, o receptor tem de fazer a tarefa. O que se viu em Limeira e região é fruto dessa crença perigosa de acreditar e espalhar antes de ter o trabalho de conferir a natureza e a veracidade da tal informação. De repente, o que era nada – ou uma brincadeira, na versão do irresponsável – se transformou em verdade, com profundas consequências no mundo real.

Outra valorização do nada foi a inacreditável confusão causada por um boneco inflável de Lula, na capital. O brinquedo foi “furado” por uma militante, e o caso foi parar na delegacia, com boletim de ocorrência registrado. Rapidamente, facções políticas trocavam insultos nas ruas e nas redes sociais. A Rede Globo, de forma sensata, mudou o cenário de fundo do programa “Bom Dia, São Paulo”, uma vez que o boneco foi erguido na ponte estaiada e poderia intervir na atenção do telespectador. Imediatamente foi alvo de insultos dos pró-boneco.

Quando uma brincadeira de mau gosto no WhatsApp e um boneco inflável exigem a intervenção do Estado, sinal de que estamos tão confusos na interpretação de urgências quanto Dilma com suas metas.

* Artigo originalmente publicado na Gazeta de Limeira edição de 31-8-15

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