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sexta-feira, 27 de junho de 2008

Pedida a cassação da TV Jornal

Numa ação civil pública com pedido de tutela, ajuizada na segunda-feira e impecavelmente sustentatada, o procurador da República do Ministério Público Federal em Piracicaba Fausto Kozo Kosaka, pediu a extinção da concessão de radiodifusão da Fundação Orlando Zovico por possuir autorização para operar canal educativo e exibir programas inadequados e lesivos às pessoas e aos valores éticos e sociais da família.

A ação contra o sistema de comunicação do vice-prefeito de Limeira, Orlando Zovico (PMDB), teve como base um procedimento administrativo instaurado com base em representação formulada por vereadores sobre o conteúdo inadequado da programação da emissora Sistema Jornal de Rádio e Televisão. A denúncia era sobre a prática de atos de humilhação contra um deficiente auditivo por parte da TV no programa "A Hora da Verdade", então comandado por Geraldo Luís, hoje no "Balanço Geral", na TV Record.

No programa veiculado em 1º de maio de 2006, esta pessoa teria sido submetida a uma entrevista na qual não podia se comunicar em razão de sua deficiência e foi tratada pelo apresentador por meio de termos como "mudinho sem vergonha" e um "ser daquele". O deficiente teria sido exposto por Luís a um teatro de mímica com gestos obscenos, fazendo alusão a língua dos sinais.

O procurador pediu ao Sistema Jornal uma cópia do programa, mas este alegou que não poderia fornecê-la porque não teria mais em seus arquivos as cópias, já que a Lei de Imprensa obrigaria a conservação do material pelo prazo de 60 dias. No entanto, uma outra denúncia chegou informando que o mesmo apresentador fez uma chamada para o quadro "as popozudas", apresentando um repórter que dançava e rebolava de forma sensual. Desta vez, o Sistema Jornal forneceu cópias em DVD dos programas veiculados entre 20 e 30 de janeiro de 2007.

Perícia feita nos programas constatou que eram feitas entrevistas com os apreendidos e presos "de forma constrangedora e sensacionalista. Os repórteres (...) forçavam os mesmos a responderem perguntas que induzem a confissão do crime e exploravam suas imagens quando algemados". Em outro trecho, diz que "o apresentador tratava os presos de maneira desprezível, incitando o público à prática de violência contra os detidos. Há ainda quadros com forte apelo sexual, como o concurso intitulado "As popozudas do A Hora".

O procurador aponta também mensagens que estimulavam o preconceito racial e religioso, assim como o emprego de palavras de baixo calão. Há citação de entrevistas "extremamente vexatórias" aos presos, "imagens em situação constrangedora" e comentários por parte do apresentador "depreciativos" dos suspeitos detidos pela polícia. Configurou-se, nessas transmissões, veiculação indevida de imagem, lesão ao princípio da presunção de inocência, incentivo à prática da violência policial e imagens nocivas à formação de crianças e adolescentes. As programações foram exibidas para um público virtual de mais de 800 mil pessoas, considerando-se as 9 cidades de abrangência.

O MP Federal pediu ao Ministério da Justiça a classificação indicativa do programa, mas obteve como resposta que programas jornalísticos não se sujeitavam à essa classificação. Mas, para Kosaka, isso não isenta o responsável pelos abusos cometidos. O procurador descobriu junto ao Ministério das Comunicações que o Sistema Jornal não tinha outorga para os serviços de rádiodifusão. Kosaka mostrou-se surpreso quando a Fundação Orlando Zovico informou que a concessão estava em seu nome.

A Fundação informou ao MP que o programa "A Hora da Verdade" havia sido reformulado, inclusive com novo apresentador (Kléber Leite) e que havia feito um contrato particular de parceria com o Sistema Jornal para a execução dos serviços de radiodifusão em caráter educativo. Kosaka pediu, então, cópias dos programas exibidos entre 29 e 31 de janeiro. "Constatou-se que as graves irregularidades do programa 'A Hora da Verdade' persistiam, ou quiçá, restaram ainda mais agravadas". O procurador relata que bastou assistir a poucos minutos dos programas para concluir que, apesar da alteração do apresentador, não houve qualquer adequação aos fins educativos da concessão.

Outros programas também não obedeciam às finalidades educativas, pois apresentaram cenas com apelo sexual, referências obscenas e preconceituosas, como uma referência feita em entrevista com um músico negro exibida no programa de entretenimento "100 protocolos", numa segunda-feira à noite, 28 de janeiro, comandado pelo humorista Ivan Gomes, o Batoré.O procurador cita também o uso irregular de publicidades comerciais ao longo da programação, o que descumpre o caráter educativo.

No pedido liminar, que será julgado primeiro, Kosaka pede a suspensão imediata do programa "A Hora da Verdade". Caso não seja tirado do ar, o MPF pede, como alternativa, a readequação da programação do canal, baseado em 4 pontos: readequação ao formato educativo; não veicular imagens com apelo sexual e não veicular imagens de presos, especialmente crianças e adolescentes; fim da exibição de publicidade, e informar que promoveu as mudanças por determinação judicial. A ação, que foi distribuída à 1ª Vara Federal de Piracicaba, pede que a União, por meio da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), seja obrigada a fiscalizar a concessão da emissora.

Orlando Zovico disse que ficou surpreso com a forma da ação civil pública movida pelo procurador. "Não esperava nestes moldes". Ele diz ainda não saber o que fazer, mas que seus advogados tomarão as ações cabíveis. "Só temos problemas com um programa, que o 'A Hora da Verdade'", diz, referindo-se ao fim do "100 protocolos", cujo último programa foi exibido na segunda-feira.

Zovico diz que o contrato do apresentador foi encerrado porque o programa "não estaria a contento". No entanto, o humorista despediu-se do programa informando que concorrerá na eleição de outubro, o que inviabilizaria sua continuidade no comando. Com relação ao "A Hora da Verdade", Zovico diz que o programa passou por reformulação. "Vamos fazer novas mudanças para se adequar ao que o MPF pede".

Zovico sustenta que a questão de publicidade, por se tratar de concessão educativa, é discutível. "Temos o caso da TV Cultura, que também tem propagandas. Existe a possibilidade de a publicidade ser feita. Não haveria meios de uma emissora se sustentar sem ela", disse. A Fundação irá se manifestar quando solicitada na Justiça Federal de Piracicaba.

É impressionante ver o "rolo" societário que Zovico criou. Modesta opinião, as irregularidades jurídicas da concessão, agora descobertas, lhe causam mais temor do que o conteúdo da programação.

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