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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Somos Charlie, mas quanto temos dos Kouachi?

Diga a verdade e saia correndo, diz um ditado iugoslavo.

Lutamos para ter a liberdade de dizer o que pensamos, sabendo que ela tem consequências.

Quando o Instituto Royal foi invadido por ativistas em 2013, ai de quem se manifestasse à favor do órgão - era execrado.

Diga algo que soe favorável ao nazismo e veja o que acontece.

Temos o direito de dizer o que quisermos, e o dever de responder se isto violar a lei. Há quem não diga o que pensa por receio das consequências. É o preço do estado democrático de direito.

Na esteira dos ataques ao jornal francês "Charlie Hebdo", visto como um ataque à liberdade de imprensa e de expressão, o jornal Financial Times disse: "Liberdade de imprensa não vale nada se os seus profissionais não se sentem livres para falar".

Pego a ideia e pergunto: vale a liberdade de expressão se não nos sentimos livres para expressá-la?

Depois dos deploráveis assassinatos de jornalistas, surgiu a frase: "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie). É ótima como símbolo à defesa do direito à expressão.

Não há como não ser Charlie agora, mas, passada a agitação, é preciso verificarmos se não temos também vestígios da intolerância dos irmãos Kouachi, suspeitos de participar do ataque.

Como nos comportamos diante de algo que não concordamos?

Como reagimos quando a pessoa ao lado diz algo que consideramos absurdo? Olhamos feio, a censuramos?

Se for alguém conhecido, deixamos de falar com ele, de ser seu amigo?

Nas redes sociais, apagamos o comentário?

Denunciamos à autoridade, se for o caso? Contribuimos para a repressão da liberdade de expressão ou é justificável reprimir um pensamento em nome da ordem?

Somos tolerantes a quem professa uma religião diferente da nossa?

Como nos comportamos se um pensamento atinge um valor íntimo, como uma crença religiosa?

Cada um tem respostas diferentes para estas questões, pois vivemos em sociedades heterogêneas, regidas por leis.

Precisamos reconhecer que não podemos exigir que todos tenham a mesma reação quanto a um pensamento, devido a estas diferenças.

Nada justifica assassinatos em nome da religião, como tentativa de calar a opinião contrária.

Mas devemos lembrar que liberdade de pensamento não pode ser discutida apenas na emoção onde todos compartilham um pensamento único.

No dia a dia, o mundo é divergente. Lidar com opinião contrária não é fácil, é um exercício permanente de civilidade.

Há quem mate por não aceitá-la, como os extremistas da França, o que devemos repudiar.

E há quem disfarce, nas pequenas situações do dia a dia, a hipocrisia de não lidar com pensamento contrário.

Por pura intolerância.

* Artigo publicado originalmente pelo editor na edição de 12-01-15 da Gazeta de Limeira

** Crédito da imagem: Getty Images

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